Em entrevista concedida ao UniBrasil, a coordenadora do curso de Enfermagem, Professora Angelita Vicentin, analisa a crise sanitária na terra indígena dos Yanomami, no estado de Roraima, onde crianças e adultos estão em situação grave de desnutrição, e com doenças como malária e verminoses.
Confira abaixo os detalhes da entrevista:
UniBrasil – Segundo o relatório elaborado pelo Ministério da Saúde, os casos de malária saltaram de 9.928 em 2018 para 20.393 em 2021. Ainda de acordo com o documento, um terço dos casos ocorreu entre crianças da faixa etária de 0 a 9 anos. A professora pode explicar como ocorre a transmissão da doença? Sendo que um dos principais motivos são decorrentes do garimpo e do desmatamento.
Professora – A malária é uma doença infecciosa febril aguda, causada por protozoários do gênero Plasmodium transmitidos pela picada da fêmea infectada do mosquito do gênero Anopheles, também conhecido como mosquito-prego. Toda pessoa pode contrair a malária. No Brasil, a maioria dos casos de malária se concentra na região amazônica, composta pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
A malária não é uma doença contagiosa, ou seja, uma pessoa doente não é capaz de transmitir a doença diretamente a outra pessoa, é necessária a participação de um vetor, que no caso é a fêmea do mosquito Anopheles (mosquito-prego), infectada por Plasmodium, um tipo de protozoário. Apenas as fêmeas de mosquitos do gênero Anopheles são capazes de transmitir a malária. A malária não pode ser transmitida pela água. Os locais preferenciais escolhidos pelos mosquitos transmissores da malária para colocar seus ovos (criadouros) são coleções de água limpa, sombreada e de baixo fluxo, muito frequentes na Amazônia Brasileira.
Estes mosquitos são mais abundantes nos horários crepusculares, ao entardecer e ao amanhecer. Todavia, são encontrados picando durante todo o período noturno, porém em menor quantidade.
O ciclo se inicia quando o mosquito pica um indivíduo com malária sugando o sangue com parasitos (plasmódios). No mosquito, os plasmódios se desenvolvem e se multiplicam. O ciclo se completa quando estes mosquitos infectados picam um novo indivíduo levando os parasitos de uma pessoa para outra. Desta forma, o ciclo de transmissão envolve: o plasmódio (parasito), o anofelino (mosquito vetor) e o homem.
O período de incubação, ou seja, o intervalo entre a aquisição do parasito pela picada da fêmea do mosquito até o surgimento dos primeiros sintomas, varia de acordo com a espécie de plasmódio. Para Plamodium falciparum, mínimo de sete dias; P. vivax, de 10 a 30 dias e P. malariae, 18 a 30 dias.
A transmissão da malária também pode ocorrer em casos mais raros por transfusão sanguínea, uso de seringas contaminadas, acidentes de laboratório e transmissão congênita.
É importante ressaltar que a malária é uma doença que tem cura e o tratamento é eficaz, simples e gratuito. Entretanto, a doença pode evoluir para suas formas graves se não for diagnosticada e tratada de forma oportuna e adequada.
Os sintomas mais comuns da malária são: febre alta; calafrios; tremores; sudorese; dor de cabeça, que podem ocorrer de forma cíclica. Muitas pessoas, antes de apresentarem estas manifestações mais características, sentem náuseas, vômitos, cansaço e falta de apetite.
UniBrasil – No estado de Roraima, especificamente na capital Boa Vista, onde há a maior concentração de garimpo ilegal, a contaminação dos peixes, a morte dos rios, a remoção de cobertura vegetal e a fuga dos animais reflete em miséria e a proliferação de doenças que assolam a população local. Além da malária, outra doença que ganhou destaque na região foi a tungíase (conhecida popularmente como ‘bicho de pé’). Como a tungíase afeta a pessoa que contraiu o parasita, podendo inclusive perder membros do corpo?
Professora – Tungíase é uma parasitose causada por fêmeas grávidas de uma espécie de pulga, Tunga penetrans, que habita o solo de zonas arenosas. A contaminação ocorre quando o paciente pisa neste solo sem proteção nos seus pés. A fêmea grávida penetra na pele humana com a sua cabeça e libera seus ovos para o exterior.
Essa doença é identificada a partir do aparecimento de uma ou de algumas pequenas pintinhas escuras dentro de um círculo claro, principalmente na sola do pé, mas pode ser encontrada também nos dedos, nas mãos e nos calcanhares. A sua transmissão acontece quando se anda descalço em solos arenosos em que existe a espécie da pulga Tunga penetrans.
O diagnóstico é geralmente clínico, ajudado pela história de contato do paciente com solos provavelmente contaminados. Deve ser feito o diagnóstico diferencial com verrugas virais, pois o tratamento é bem diferente nestas duas dermatoses.
A prevenção consiste basicamente em evitar contato com solo contaminado e usar sapatos. Medidas sanitárias para a descontaminação do local infestado também devem ser adotadas.
UniBrasil – O mercúrio em terras indígenas, por meio do consumo de peixes contaminados ou respirando o vapor, afeta o funcionamento do sistema nervoso e do cérebro. Segundo o trabalho coordenado pela Fiocruz em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), evidenciou que 92% das pessoas estavam contaminadas por mercúrio. Quais os riscos do mercúrio em grandes quantidades para a saúde das pessoas? Já que a Organização Mundial da Saúde (OMS) indica um limite de ingestão de alimentos com o componente de 0,23 micrograma por peso corporal/dia, para mulheres e crianças; e 0,45 para homens adultos.
Professora – Todas as pessoas estão expostas ao mercúrio a um certo nível — seja pela comida que comemos, pelo ar que respiramos ou pelos cosméticos que utilizamos. A inalação ou ingestão de grandes quantidades de mercúrio, no entanto, pode resultar em sérias consequências neurológicas. Os sintomas podem incluir tremores, insônia, perda de memória, dores de cabeça, fraqueza muscular e — em casos extremos — morte.
Quando inalamos, ingerimos ou somos expostos ao mercúrio, o elemento pode atacar nosso sistema nervoso central e periférico, bem como nosso trato digestivo, nosso sistema imunológico, nossos pulmões e nossos rins. Sintomas específicos podem incluir tremores, insônia, perda de memória, dores de cabeça, fraqueza muscular e, em casos extremos, morte. Bebês não-nascidos cujas mães têm altos níveis de mercúrio no sangue podem nascer com danos cerebrais e problemas de audição e visão. Os níveis do elemento tóxico podem ser medidos em amostras de sangue, cabelo ou urina.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), dois grupos são especialmente vulneráveis: fetos, cujas mães têm altos níveis de mercúrio em seu sangue, e populações que são frequentemente expostas a altos níveis de mercúrio, como pescadores de subsistência.
Os frutos do mar são a principal fonte de proteína para pessoas do mundo todo. As pessoas que consomem quantidades muito altas de frutos do mar podem ser expostas a altos níveis de metilmercúrio, um composto orgânico que se acumula nos corpos dos peixes. O envenenamento por mercúrio proveniente do consumo de animais marinhos tem sido visto entre grupos indígenas em muitas partes do mundo.
Os trabalhadores de garimpos artesanais e de pequena escala usam regularmente mercúrio para ajudá-los a separar o ouro de outros materiais, e a maior parte desse mercúrio acaba no meio ambiente. O envenenamento por mercúrio também representa uma ameaça grave e direta à saúde dos 12 a 15 milhões de pessoas que trabalham no setor em todo o mundo.
UniBrasil – A crise humanitária encontrada nas comunidades indígenas que fazem parte da Reserva Yanomami também foi detectado quadros graves de desnutrição e óbitos. Qual o procedimento optado pelos especialistas em saúde para reverter a desnutrição, já que a comida não é o suficiente?
Professora – Entre os indígenas, a Taxa de Mortalidade Infantil apresenta-se muito superior em relação aos não indígenas. As principais causas de óbito no primeiro ano de vida são: perinatais, pneumonia e diarreia, associadas à desnutrição.
A desnutrição corresponde a uma doença de natureza clínico-social multifatorial, cujas raízes se encontram na pobreza. Quando ocorre na primeira infância, está associada à maior mortalidade, à recorrência de doenças infecciosas, a prejuízos no desenvolvimento psicomotor, ao menor aproveitamento escolar e à menor capacidade produtiva na idade adulta. Nos países em desenvolvimento, a desnutrição nessa faixa etária constitui-se importante problema de saúde pública.
A persistência da desnutrição em um contexto histórico de declínio de sua prevalência sinaliza a necessidade de maiores investimentos sociais e de atenção focalizada de forma qualificada. Nesse sentido, o setor de saúde deve monitorar os casos de desnutrição infantil, principalmente dos quadros graves e moderados, e garantir a oferta de cuidados adequados para recuperação dos indivíduos desnutridos.
A elaboração de fluxos e procedimentos para o acolhimento adequado às demandas espontâneas e aos casos identificados por busca ativa, no âmbito da atenção básica e em articulação com os demais pontos de atenção, que contemplem a identificação das causas, avaliação e classificação do risco, estabelecimento de Projeto Terapêutico Singular e de articulação com outros setores e políticas sociais, é fundamental para o cuidado integral e resolutivo dessa população vulnerável. Apesar da complexidade para a realização das ações de imunização nas áreas indígenas, principalmente naquelas de difícil acesso geográfico, a cobertura vacinal deve ser implementada e repercute positivamente nos índices de óbitos por desnutrição infantil.
Além disso, outras ações já comprovadas e fundamentais para prevenção e controle da desnutrição e que podem ser implantadas e incorporadas aos fluxos e procedimentos estabelecidos para a atenção às crianças desnutridas incluem:
– A promoção ao aleitamento materno exclusivo até os 6 meses e da alimentação complementar saudável, com continuidade do aleitamento materno até os 2 anos.
– A prevenção de deficiências nutricionais específicas, com a Suplementação de Ferro e Ácido Fólico e Vitamina A;
– O acompanhamento do estado nutricional de crianças menores de cinco anos
– A promoção e implantação de ações intersetoriais, por meio da Articulação Intersetorial, tendo em vista a determinação multifatorial da desnutrição.
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Angelita Visentin:
-> Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
-> Pós-graduação em EAD e as Novas Tecnologias Educacionais pelo UniBrasil Centro Universitário.
-> MBA de Gestão em Saúde com Ênfase em Oncologia.
-> Especialista em Enfermagem Oncológica pela Liga Paranaense de Combate ao Câncer.
-> Graduação em Bacharel em Enfermagem pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
-> Coordenadora do Curso de Enfermagem do UniBrasil Centro Universitário.
-> Docente do curso de Enfermagem do Centro Universitário Autônomo do Brasil, atuando principalmente nas seguintes áreas: enfermagem na atenção ao adulto/idoso, pesquisa clínica, oncologia, gestão em saúde e ensino superior de enfermagem.
-> Representante da Associação Brasileira de Enfermagem na Comissão de Orçamentos e Finanças da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba.