A vinda do escritor Jorge Caldeira a Curitiba, com o apoio do Graciosa Country Clube, Universidade Federal do Paraná (UFPR) e UniBrasil Centro Universitário propiciou dois momentos importantes de discussões e compartilhamento.
Na tarde do dia 21 de março de 2018, nas dependências da UFPR ocorreu o debate em torno do livro de Caldeira “História da Riqueza no Brasil”. Este encontro contou com a presença de um grupo de professores de diferentes áreas – Linguística, História, Direito, Teatro, Antropologia, Teoria Literária – e de diferentes instituições – UFPR, UniBrasil, UniCuritiba -, e do professor de História do Direito da Universidade Nova de Lisboa, António Manuel Hespanha. O evento, transdisciplinar, teve como eixo a proposta de um novo olhar acerca da história do Brasil a partir da obra de Jorge Caldeira.
Segundo a professora Andrea Lobo, historiadora e tutora do Programa de Educação Tutorial do UniBrasil (PET): “publicado em 2017, o livro de Caldeira se propõe a ser uma síntese, mas feita de forma monumental e cuidadosa, acerca do desenvolvimento econômico do Brasil desde os tempos coloniais até o período da renovação democrática pós-ditadura militar. Amparando-se em ampla documentação primária, como por exemplo, censos do século XVIII, a obra ‘História da Riqueza no Brasil’ revisita e contesta alguns dos principais argumentos de estudos clássicos sobre o desenvolvimento econômico, político e social do Brasil, como por exemplo as obras de Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. Entre esses argumentos, a ênfase no caráter de subsistência da economia colonial interna e da prevalência da agricultura monocultura de exportação de alguns poucos produtos”.
Ainda segundo Andrea, “valendo-se das ferramentas advindas da Econometria para análise de dados econômicos e da Antropologia para o estudo das relações sociais, Caldeira alerta para o dinamismo da economia colonial, comprovando, entre outras coisas, a importância da economia interna, a grande presença do trabalho livre e da pequena propriedade, além da relativa autonomia dos órgãos locais de poder – como as Câmaras Municipais – frente ao poder central representado, até o século XVIII, pelo Governo Geral”.
Na noite do dia 22, o encontro se deu no Clube Graciosa, para um público bem mais amplo, não especializado, porém profundamente interessado no tema proposto pelo escritor, que é doutor em ciência política e mestre em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Jorge Caldeira foi editor da “Ilustrada” e da “Revista da Folha” (suplementos da Folha de São Paulo), editor de economia da revista IstoÉ e editor-executivo da revista Exame, editor da Revista Bravo!, consultor do Projeto Brasil 500 Anos da Rede Globo. É autor de, entre outros livros, Mauá: empresário do Império, O banqueiro do sertão, Júlio Mesquita e seu tempo e Nem Céu nem inferno, que lançou o ano passado no UniBrasil em palestra para a Escola de Negócios.
Ouvindo Caldeira, torna-se claro porque estudar História é muito importante, inclusive para não a repetir, mas torna-se mais importante num tempo e lugar em que muitos políticos dizem até ter inventado a roda e a pós-verdade ocupou o centro do palco; Caldeira representa hoje uma das mais importantes vozes do pensamento histórico brasileiro, e é essencial ouvi-lo para entendermos melhor o país em que vivemos.
Falando sobre “História da riqueza no Brasil, o autor revê quinhentos anos da historiografia brasileira, aproximando-se do passado, iluminando objetos como a família, a mestiçagem, atitudes econômicas, as alianças de poder, revelando sua surpreendente permanência ao longo de cinco séculos.
“Caldeira ressalta, o que para poucos era claro, que o mercado interno sempre teve importância maior do que lhe foi atribuída por muitos autores, mesmo de livros clássicos. Não que se deixe de reconhecer o papel importantíssimo do mercado externo para a inserção mundial da economia, mas desaparece o retrato simplificador da sociedade brasileira do passado como se ela fosse formada apenas pela grande lavoura de exportação. Em segundo lugar, trata-se de obra que traz uma abordagem metodológica rara: Caldeira introduz a referência a números, aos grandes números, na narrativa histórica e os usa para a comprovação de suas teses. Como se isso não bastasse para dar singularidade e notoriedade ao livro, acrescente-se que suas páginas mostram o fracasso das tentativas de acelerar o crescimento econômico pela vontade política do Estado”, foram as palavras de Fernando Henrique Cardoso na apresentação da obra em questão.
Mostrando uma mudança no eixo de apreciação da história do Brasil, Jorge Caldeira representa uma nova leva de pesquisadores que, sem paixões à direita ou esquerda se apoiam na ciência, na tecnologia da informação e em novas técnicas quantitativas, para reescrever algumas teorias sobre a formação econômica do Brasil, fugindo do papel de vítimas ou do otimismo exagerado.
Segundo o palestrante, nós brasileiros não podemos mais ficar culpando outros pelas nossas falhas, que são muitas, como muitos foram nossos êxitos: devemos nos voltar às nossas possibilidades de autotransformação, neste país miscigenado e empreendedor. Sua fala nos leva a uma série de observações importantes sobre o Brasil Colônia: a economia do sertão era mercantil; o mundo dos negócios era fundado em mecanismos informais (por exemplo, “todo o sistema de crédito, mesmo em grandes transações, fundava-se na instituição do fiado”); a democracia era o fundamento da vida política; a estratégia de atrair genros entregando uma filha em casamento, costume Tupi, favoreceu a miscigenação e o desenvolvimento das relações comerciais. Para Caldeira, e essa é a melhor de suas conclusões, geramos aqui naquele período uma economia dinâmica, uma política eficiente e uma sociedade inovadora, multicultural e não resistente às mudanças e no entanto, embora ao início dos anos 1800 possuíssemos uma economia mais vigorosa que a de Portugal, o Brasil Império não entendeu bem o novo momento do mundo pós-revolução industrial e apostou dinheiro e tempo demais no escravagismo.
Isso nos inaugurou um ciclo de estagnação, que de certa forma arrastamos até hoje, mas suas palavras finais foram de esperança e otimismo, a certeza de que nosso empreendedorismo apenas necessita menos intervenção do Estado para nos levar novamente ao desenvolvimento pleno.
Texto: Wanda Camargo.