Especialistas são enfáticos na resposta sobre os indivíduos que sustentam o argumento de ‘liberdade de expressão’ para propalar o ódio às minorias sociais; na declaração de ambos, os direitos não são absolutos.
Há 79 anos, o Exército Vermelho das tropas soviéticas libertavam os prisioneiros do Campo de Concentração de Auschwitz, na Polônia. Este marco histórico foi instituído pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2005, como o Dia Internacional em Memória às Vítimas do Holocausto.
Considerado um dos maiores genocídios da história humana, os membros da ONU visavam, à época, combater qualquer política de extermínio no mundo, em prol de uma sociedade livre, justa e fraterna. A celebração desta data (27 de janeiro) levanta algumas questões pertinentes, como o discurso de ódio, que vem ganhando notoriedade, principalmente, na internet.
A Central Nacional de Denúncias da ONG Safernet evidenciou, no primeiro semestre de 2022, um aumento (67,5%) de denúncias de crime de ódio nas plataformas digitais, com destaque para o racismo, a xenofobia, a LGBTfobia, o neonazismo, a misoginia e a intolerância religiosa.
Para compreender o arcabouço legal da terminologia, o UniBrasil conversou com dois especialistas do campo de Direito, docentes da graduação e do Programa de Pós-graduação em Mestrado e Doutorado (PPGD) da instituição, que tem como campo de concentração os Direitos Fundamentais e Democracia, sanando todas as dúvidas a respeito de como caracterizá-la, quais as penas para os criminosos, a forma de amparar as vítimas e como desvincular do discurso de liberdade de expressão.
O doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Paulo Ricardo Schier, salienta que o “sentimento de ódio, em si, não é crime”. Afinal, é inerente ao ser humano ser nutrido por diversas emoções, no entanto, o professor esclarece que o ódio pode ser uma força motriz para condutas reprováveis pela sociedade.
O mestre em Direitos Fundamentais e Democracia, professor Carlos Portugal, frisa que este comportamento é um mecanismo político, que alimenta o medo e a polarização dos grupos dominantes.
“O discurso de ódio […] tem a força simbólica de arregimentar parcela da população que também se alimenta da mesma carga de intolerância, ampliando potencialmente e efetivamente os efeitos deletérios da discriminação por ele propalada”, analisa o também coordenador-adjunto do curso de Direito do UniBrasil.
Confira abaixo os detalhes da entrevista.
Constituição brasileira prevê proteção especial a pessoa humana
A Constituição Brasileira, como relembra o professor de Direito Constitucional Paulo Schier, é comprometida com a democracia e com os direitos fundamentais, garantindo plena igualdade entre todos os cidadãos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação. Este trecho está presente no Artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988.
Para coibir qualquer ato de ódio no país, Paulo Schier diz que há leis e políticas públicas que hoje vigoram na legislação. Dentre elas, destacam-se: a Lei nº 7.716/1989, específica contra crimes de preconceito e discriminação; e a Lei nº 2.889/1956, que diz respeito ao combate ao genocídio.
A legislação brasileira, como analisa o especialista, segue as determinações internacionais dos Direitos Humanos, tais como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Convenção Interamericana contra o racismo, a discriminação racial e formas correlatas de intolerância.
Cada uma delas têm pontos em comum, evidenciando que a discriminação e a intolerância podem ser decorrentes da raça, cor, nacionalidade, idade, sexo, orientação sexual, identidade cultural, nível educacional, condição de migrante, refugiado, repatriado, dentre outras.
Ao resgatar a melhor definição para o crime de ódio, o advogado esclarece que o intuito é dirigir o ato praticado a um grupo de pessoas com características específicas. “Os crimes de ódio são definidos como ‘crimes de identidade’, visam afetar a identidade do alvo, seja ela imutável (raça, cor, nacionalidade, orientação sexual, gênero) ou fundamental (opinião política ou ideológica, religião, hábitos culturais). Também podem se caracterizar como crimes contra a existência, se o ato se voltar contra a vida de um grupo”, pontua o membro fundador da Academia Brasileira de Direito Processual Constitucional (ABDPC), Paulo Schier.
Vítimas dos crimes de ódio devem encontrar respaldo em ações dos Poderes Públicos
Questionado sobre como amparar as vítimas legalmente, o pós-graduado em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra, professor Carlos Portugal, orienta que a pessoa deve recorrer ao poder público e a sociedade em geral, para garantir a proteção dos direitos fundamentais inerentes à dignidade de cada pessoa.
“A busca de indenizações adequadas e de outros mecanismos não pecuniários de responsabilização é também importante para dissuadir a ocorrência de novos eventos danosos à personalidade da vítima e ao conjunto de pessoas pertencentes ao grupo discriminado, podendo, para tal, serem acionados advogados e representantes do Ministério Público”, alerta. No Estado do Paraná, as denúncias ocorrem através do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos (CAOPJDH).
Atualmente, a penalização para crimes de ódio varia de acordo com o tipo “penal adjacente à ação criminosa”, como esclarece o professor. Para exemplificar essa ideia, o docente diz que, no caso de injúria, a pena é de reclusão de 2 a 5 anos e multa, com possibilidade do aumento da pena em 50%.
Na visão do docente, o discurso de ódio está presente como mecanismo político para alimentar o medo e a polarização. Ele lista as principais inseguranças que são despertadas na população por meio deste método, por exemplo: medo da perda de emprego, da suposta pureza eugênica, da liberdade religiosa, da contaminação cosmovisão.
“A polarização acirrada é algo que decorre naturalmente da difusão dos medos e da valorização das diferenças entre os grupos”, conclui.
O professor Paulo Schier corrobora com o colega de profissão e ainda acrescenta outros fatores. “O ódio suspende a capacidade de argumentação e de mantermos um pensamento racional”, finaliza.